Já eram quase 7 da noite do dia 18 abril deste ano quando eu embarquei em um avião que me levaria de Madri à Londres. O motivo da viagem era missionário. A convite de três amigas norueguesas (irmãs em Cristo), eu me lancei em uma aventura com o objetivo de propagar o evangelho de Cristo para os ingleses em pleno período pascal.
Quem quiser me acompanhar nessa aventura é só continuar lendo! Prometo que a viagem pode valer a pena! ;)
Todas as vezes que eu paro para pensar no meu período como “missionária temporária” em terras inglesas, não posso deixar de correlacionar a situação com a ocasião da rápida visita do apóstolo Paulo à cidade de Atenas em sua segunda viagem missionária.
Tal visita está registrada no capítulo 17 do livro de Atos, entre os versículos 15 e 34.
Quer um conselho? Na verdade, é mais um pedido mesmo. Vai lá pegar sua bíblia e abre no capítulo 17 de Atos, para que você possa acompanhar a história direitinho, tá?
O Apóstolo Paulo estava em Atenas à espera de Silas e Timóteo e conta Lucas que, “enquanto Paulo os esperava, (...) o seu espírito se comovia em si mesmo, vendo a cidade entregue à idolatria” (At. 17. 16).
Paulo deve ter visto, em suas caminhadas por Atenas, os inúmeros templos aos muitos deuses do panteão grego e isso incomodou profundamente o espírito do apóstolo.
Como usual, Paulo debatia nas sinagogas, anunciando aos judeus que o Messias prometido já tinha vindo e procurava “provar a eles que Jesus era o tão esperado Messias”[1].
Entretanto, além de anunciar o evangelho nas sinagogas, Paulo também falava todos os dias na Ágora de Atenas (a praça central da cidade). Essa era uma prática muito comum em Atenas, uma cidade que foi, por muito tempo, o centro político, cultural, filosófico e educacional da Grécia.
Era muito comum para os atenienses se aglomerarem para ouvir o pensamento dos filósofos e intelectuais. A esse respeito, Lucas chega a ser um tanto crítico ao declarar que “todos os atenienses, como também os estrangeiros que ali residiam, de nenhuma outra coisa se ocupavam senão de contar ou de ouvir a última novidade” (At. 17.21).
“O que está tentando dizer esse tagarela?” Essa era a pergunta que alguns filósofos epicureus e estóicos fizeram enquanto discutiam com Paulo. Contudo, a estratégia do “apóstolo tagarela” deu certo. Ele foi convidado para falar no Areópago, a sede do conselho dos filósofos (At. 17. 18-21).
“Os filósofos epicureus, seguidores de Epicuro (341 – 270 a.C.), acreditavam que os objetivos principais da vida eram o prazer e a felicidade. Se Deus existia, não interferia nos assuntos humanos. Os epicureus são similares aos materialistas e hedonistas da atualidade.”[2]
Já os estóicos eram panteístas (tudo na natureza é deus) e acreditavam que a razão conduziria o homem a um “bem viver”. Para essa corrente filosófica, a indiferença era a maior virtude do ser humano e, dessa forma, era necessário aceitar com apatia tudo que acontecesse ao homem, uma vez que isso era governado pela natureza (deus).
Ao presenciar tal realidade obscura da sociedade grega da época, Paulo, com seu espírito comovido, começa seu discurso “confirmando a natureza religiosa”[3] do povo ateniense (ele tinha visto os inúmeros templos) e depois apresenta aos ouvintes o DEUS DESCONHECIDO a quem eles tinham dedicado um altar.
Eu considero essa pregação de Paulo um verdadeiro paradoxo (e foi esse mesmo paradoxo que eu vivi no meu período missionário na Inglaterra). O paradoxo residia no fato de que Paulo estava pregando para uma audiência bastante intelectualizada, em contrapartida, sua pregação foi de um caráter extremamente elementar. O apóstolo voltou ao Gênesis para apresentar Deus como criador de todas as coisas (At. 17. 24 -28). É como se ele estivesse falando a crianças, em uma Escola Bíblica Dominical, sobre a história da criação.
A pregação de Paulo foi bem aplicada ao seu público em questão. Apesar de intelectuais, os atenienses nada sabiam a respeito do Deus verdadeiro. A ideia de um único Deus era completamente absurda e abstrata para eles.
Após caracterizar o DEUS DESCONHECIDO à sua audiência, Paulo condena a idolatria tão praticada pelos gregos e prega o arrependimento. Para finalizar, ele apresenta o conceito de julgamento, anuncia Jesus Cristo e a sua ressurreição (o conceito de ressurreição para os gregos era estapafúrdio razão pela qual alguns zombaram de Paulo [At. 17. 29-32]).
“FIZ-ME TUDO PARA TODOS”
É certo que, se alguns pregadores dos nossos tempos presenciassem Paulo proferindo aquela pregação, o “apóstolo tagarela” seria criticado. Alguns argumentariam a falta do termo “pecado”; outros a falta da “cruz” e outros reclamariam: “Como Paulo não falou do inferno’?”
Ora, Paulo sabia que tais termos eram totalmente estranhos aos atenienses. Se os cidadãos de Atenas desconheciam o próprio Deus, quem dirá teriam noções de pecado, cruz e inferno!
O cenário da sociedade ateniense daquela época era bem parecido ao cenário pós-moderno da sociedade atual. Hoje, muitas pessoas desconhecem Deus; algumas se esmeram em provar que Ele não existe e outras têm uma visão absolutamente equivocada dEle. Por isso, a pregação de Paulo aos atenienses é muito aplicável na era pós-moderna.
Não estou defendendo que não devemos mais pregar verdades bíblicas como o “pecado”, a “cruz” e o “ inferno”. Absolutamente não. O que defendo é pregar tais verdades no momento e da forma mais apropriada.
Podemos ver que, em nenhum momento, Paulo modificou a mensagem, mas modificou a abordagem - coisa que ele sempre fazia (vide I Coríntios 9. 20-22). O apóstolo inclusive citou poetas atenienses bem conhecidos do público para transmitir a mensagem cristã.
Paulo tinha plena consciência que pregar para um judeu era completamente diferente do que pregar para um epicureu. Seria ridículo falar a um público judeu que “Deus criou todas as coisas”.
DESAFIO PÓS-MODERNO
O desafio de anunciar o evangelho hoje é fazer os ouvintes compreenderem as verdades bíblicas a partir da perspectiva cristã e não, a partir de suas convicções pessoais.
O conceito de pecado à luz da bíblia não é o mesmo que o é para ateus, budistas, hinduístas, mulçumanos, etc. Esse é o ponto. Se você fala de pecado para um budista, com certeza ele vai entender esse conceito a partir da cosmovisão (visão de mundo) budista que ele tem. É preciso fazê-lo entender que a verdade do pecado independe daquilo que ele acredita.
Para me fazer entender, vou exemplificar com uma situação da - já citada - viagem missionária à Inglaterra:
O nosso grupo estava no parque sentado cantado canções e falando com alguns jovens acerca de Cristo. O clima era muito descontraído e cada um dava sua opinião acerca de Deus, religião, essas coisas...
Em um certo momento, um grupo de africanos passou por perto e mostrou certa curiosidade em saber o que estava “rolando” na rodinha. Maggie, a intrépida e divertida norueguesa, os convidou para que se juntassem a nós.
Ao se acomodarem, eu me atrevi a abordar um rapaz que, pela indumentária, me pareceu ser mulçumano. Me aproximei, sentei e perguntei:
- Sobre o que vocês estão falando? - indaguei me referindo ao diálogo que ele estava tendo com os outros.
- Estamos falando sobre a nossa religião... - respondeu o rapaz de uma forma receptiva.
- É mesmo? Qual é a sua religião? - procurei me mostrar interessada em suas crenças.
- Sou mulçumano. - disse ele.
- Sério? Será que você poderia me explicar os costumes de vocês? Ouvi dizer que vocês oram muitas vezes por dia. É verdade?
(EXPLICAÇÃO: Na verdade, eu não queria que o cara e explicasse todos os costumes, crenças islâmicas, até porque isso iria levar horas e eu tinha pouco tempo. Preferi me concentrar no fato da oração para apresentar a ele uma diferença fundamental entre o meu Deus e o deus dele.)
- Sim, nós oramos cinco vezes por dia... - depois disso ele explicou o por quê das cinco orações, os horários e tudo. Porém, eu estava ansiosa demais para me concentrar nos detalhes da fala dele. Minha mente só conseguia pensar ma pergunta que eu fiz em seguida.
- Nossa! Cinco vezes ao dia é muita coisa! Certo. Você me disse que ora cinco vezes ao dia, aí eu te pergunto: quantas vezes o teu deus te responde?
- O quê? - respondeu ele admirado como se eu estivesse dizendo alguma loucura.
- Quantas vezes o teu deus te responde? - perguntei de novo como se fosse uma pergunta altamente lógica (a qual, para mim, é).
- Como assim, responde? - perguntou ele atônito só de pensar que o “grande Alá” poderia, em algum dia, responder alguém.
- Não, eu perguntei isso por que quando eu oro, o meu Deus me responde. Ele fala comigo. Se eu pedir alguma coisa, ele me dá. Por exemplo, o meu Jesus cura. Se eu orar pedindo a cura para alguma pessoa, ele cura. Ele me responde.
- Sério? - perguntou ele como se eu tivesse dito a maior novidade de todos os tempos.
- Sério. Eu conheço muita gente que foi curada de câncer, por exemplo, após uma oração.
- Sério? - admiração de novo!
- Sério.
Como se pode ver, o conceito de Deus para o rapaz mulçumano é completamente diferente do Deus verdadeiro. Para ele, um ser tão poderoso como Deus (e no caso específico, Alá) seria incapaz de se incomodar em falar com meros mortais, quem dirá atender aos seus pedidos!
Imaginem a cara que ele fez quando eu disse que Jesus ressuscitava mortos!
Enfim, ele saiu admirado com a conversa e me garantiu que ia procurar saber mais sobre “esse Jesus” que eu falei. No fim, o nome de Jesus foi anunciado e glorificado.
VAMOS PARA ATENAS!
Nas semanas que antecederam a nossa viagem, fizemos várias campanhas de oração para que Deus nos orientasse sobre o que devia ser feito.
A idéia era encontrar uma igreja que estivesse disposta a nos apoiar no nosso projeto missionário. De nada adiantaria evangelizar pessoas sem ter alguma igreja para qual encaminhá-las.
Um dia, porém, encontramos o contato de uma igreja fundada por um ex-bispo anglicano que recebeu o batismo com o Espírito Santo e escolheu abandonar o tradicionalismo dos anglicanos por amor ao pentecoste. Gostamos a história da fundação da igreja e resolvemos ligar para o pastor Paul Taylor, líder da igreja Kingdom Faith em Crawley, uma cidadezinha a 10 minutos de Londres.
Ao receber nossa ligação, o pastor Paul ficou radiante. “Nós estamos planejando um evento de evangelização para o período da páscoa e eu estava orando para que Deus enviasse pessoas para nos ajudar”, disse ele ao telefone. Essa era confirmação de Deus que estávamos esperando.
Resolvemos tudo relativo à logística da viagem. A minha dúvida era: como evangelizar em um território tão secularizado e pluralista como a Europa e, no caso mais específico, a Inglaterra?
Pregar o evangelho na Europa é uma experiência extremamente diferente. No Brasil, a maioria das pessoas tem “uma mente e consciência cristãs, mas não têm um coração cristão. A necessidade, então, é de um tipo de evangelização que desperte e choque o povo, removendo aquilo em que acreditam e tornando-o vívido e pessoal para eles, procurando uma resposta individual de arrependimento e fé”.[4]
Já na Europa, essa consciência cristã é quase inexistente ou inexiste para boa parte das pessoas. A cultura européia é dominada pelo humanismo. Deus é um delírio em tal sociedade, Nietzsche, um famoso filósofo francês, declarou a “morte de Deus” com a sua emblemática afirmação: “Dieu est mort” (Deus está morto).
Creio que foi essa a realidade que Paulo encontrou em Atenas: uma sociedade com uma consciência cristã praticamente nula, inexistente.
Como Paulo enfrentou zombarias em Atenas por conta do que ele estava pregando, muitos dos missionários atuantes em território europeu vivem a mesma situação. Deus simplesmente não passa de uma alternativa ridícula e o cristianismo é encarado com algo opressor.
Diante dessa realidade, não havia outra alternativa: vamos para Crawley! A nossa Atenas nos aguarda.
... Continua no próximo post.
[1] Comentário de Novo Testamento. Aplicação Pessoal. Vol. 1. CPAD
[2] Comentário de Novo Testamento. Aplicação Pessoal. Vol. 1. CPAD
[3] Comentário de Novo Testamento. Aplicação Pessoal. Vol. 1. CPAD
Layanna Maiara
1 comentários:
Me emocionei tanto com este relato Lay!! Deus te abençoe muito! E estou aguardando o próximo post!
;)
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